decca, Edgar
Salvadori de. O Nascimento das Fábricas. São Paulo-SP: Brasiliense,
1986. p. 07-71.
“[...] basta
considerarmos a transformação positiva do significado verbal da palavra
trabalho, que até a época moderna sempre foi sinônimo de penalizações e de
cansaços insuportáveis, de dor e de esforço extremo, de tal modo que sua origem
só poderia estar ligada a um extremo de miséria e pobreza. Seja a palavra
latina e inglesa labor, ou francesa travail, ou grega ponos ou alemã Arbeit,
todas elas, sem exceção, assinalam a dor e os esforços inerentes a condição do
homem.” (p. 7)
“Como sempre
vemos na sociedade, seja ela nova ou pré-histórica. O resultado e os modos de
uma classe para impor sua ideologia para toda uma sociedade.” (p.7)
“[...]
introduzir um relógio moral no coração de cada trabalhador foi a primeira
vitória da sociedade burguesa [...] Foi através da porta da fábrica que o homem
pobre, a partir do século XVIII foi introduzido ao mundo burguês.” (p. 10)
“Como a
ideia trabalho evoluiu nos tempos. No começo querendo dizer pobreza, maldições,
coisa da ralé (antes e durante a idade média). Hoje em dia “o trabalho
dignifica o homem.” Sec. 17: o trabalho e a riqueza das nações.” (p. 10)
“[...] o
trabalhador era o dono da força de trabalho. Vendia seu tempo, ou a si
próprio.” (p.10)
“Somos
induzidos, a pensar dentro duma lógica definida, que não é ditada por leis de
mercado, mas sim regida por mecanismos sutis de controle social [...] pensar,
portanto, é pensar segundo regras já definidas, e o seu contraponto, no nível
de sociedade, é justamente a impossibilidade de pensar além das regras.” (p.13)
“[...] essa
introjeção de um relógio moral no corpo de cada homem demarca decisivamente os
dispositivos criados por uma nova classe em ascensão. Autodisciplina, controle
de si mesmo, crítica a ociosidade, são exigências imperiosas para o comerciante
que se envolve na esfera do mercado.” (p. 15)
“[...] o
mercado transforma-se, assim, em uma entidade universal através da qual os
homens se reconhecem a si próprios e se opõe a qualquer dispositivo imaginário
que coloque a ordem social fora do âmbito desse novo universo.” (p. 18)
“[...] a
produção histórica de uma classe de proprietários dos meios de produção, ao
mesmo tempo em que outra classe se constitui como assalariada e despossuída,
decorre de um confronte que, no final, faz parecer para os sujeitos sociais a
imagem que existe a imperiosidade da figura do capitalista, como elemento
indispensável para o próprio processo de trabalho.” (p. 19)
“[...] a
interposição da figura do negociante entre o mercado e a produção artesanal,
segundo ele, representou (segundo Marglin), o momento pelo qual se impôs a essa
produção a figura indispensável do capitalista, criando uma hierarquia social
sem a qual, desde então, o próprio processo de trabalho, fica impossibilitado
de existir.” (p.20)
“Entretanto,
seguindo as pistas do autor (Stephen A. Marglin) vale a pena indagar porque
estes trabalhadores foram reunidos a partir de um determinado momento num mesmo
local de trabalho, constituindo aquilo que ficou conhecido como sistema de
fábricas.” (fls. 22)
“[...]
Marglin nos mostra que nenhuma tecnologia muito avançada determinou a reunião
dos trabalhadores no sistema de fábrica (coisas que muitos afirmam), [...] o
que estava em jogo era justamente um alargamento do controle e do poder por
parte do capitalista sobre o conjunto de trabalhadores que ainda detinham o
conhecimento técnico e impunham a dinâmica do processo produtivo [...]” (p. 23)
“[...] na
fábrica, a hierarquia, a disciplina, a vigilância e outras formas de controle
tornaram-se tangíveis a tal ponto que os trabalhadores acabaram por se submeter
a um regime de trabalho ditado pelas normas dos mestres e contramestres, o que
representou, em última instância, o domínio capitalista sobre o processo de
trabalho.” (p. 24)
“[...]
embora pudessem ser encontradas máquinas nas primeiras fábricas, muito
raramente essas máquinas chegaram a se constituir na razão do surgimento das
fábricas. Enfim, o surgimento do sistema de fábrica parece ter sido ditado por
uma necessidade muito mais organizativa do que técnica, e essa organização teve
como resultado para o trabalhador, toda uma nova ordem de disciplina todo o
transcorrer do processo de trabalho.” (p. 25)
“[...] Em
outras palavras, o êxito da revolução estava intimamente ligado à afirmação de
novas relações de poder hierárquicas e autoritárias.” (p.30)
“[...] as
dimensões do fracasso das primeiras experiências fabris, ainda assim podemos
afirmar que a resistência do trabalhador ante os avanços do sistema de fábrica
foi decisiva durante esse período [...]” (p. 30)
“[...] a
ameaça de mecanização, como desemprego implícito que levava consigo, era
frequentemente utilizada pelos patrões para manter os baixos salários.” (p. 32)
“[...] Como
afirmou Andrew Ure, ao dobrar o tamanho de sua máquina de fiar, o proprietário
teve condições de se livrar dos fiandeiros indiferentes ou inquietos e de
converter-se de novo no dono de sua fábrica, o que é uma pequena vantagem.”
(p.34)
“[...]
quando o capital consegue que a ciência se coloque a seu serviço, a mão de obra
refratária aprende a ser sempre dócil [...]” (p.35).
“[...] por
isso, em 1932, já observava o inglês James Philip Kay: “ a máquina animal _
frágil no melhor dos casos, sujeita a mil fontes de sofrimento _ se encontra
firmemente encadeada à máquina de ferro, que não conhece nem sofrimento nem
cansaço.” (p. 36)
“A fábrica
produziu, ao mesmo tempo que proliferou-se, um conjunto complexo de
instituições capazes de garantir a sua permanência e, o que é mais importante,
capazes de garantir a continuidade da acumulação capitalista.” (p.37)
“[...] o
sistema de fábrica introduz determinantes que lhe são inerentes, não importando
que esse sistema se desenvolva num ambiente capitalista ou em outro qualquer
[...] pois ele traz em seu bojo todas as implicações relacionadas à disciplina,
hierarquia e controle do processo de trabalho.” (p. 38)
“[...]
assim, o sistema de fábrica, forma de organização superior do processo de
produção capitalista, precisou antes (cronologicamente) encontrar o seu
ambiente natural no centro do sistema e somente depois pode se estender para o
resto do mundo.” (p.42)
“[...] nada
mais corriqueiro do que determinar a gênese da indústria e do capitalismo, no
Brasil, no final do séc. XIX, no momento em que o país se reposicionou na
órbita do mercado mundial [...] o capitalismo brasileiro aparece dotado de
qualificativas do tipo atrasado, tardio, dependente [...]” (p. 42)
“[...] No
momento histórico do desenvolvimento do “puting-out system” na Europa, a partir
do século XVI no Brasil se instaurava todo um processo de trabalho baseado na
escravidão [...] engenhos de açúcar [...]” (p. 43)
“[...] a
viabilidade do escravo é explicada pela total impossibilidade de utilização do
homem livre expropriado europeu, dada a abundância de terras disponíveis na
colônia.” (p.46)
“[...] O
sistema de fábrica, como um universo de relações sociais, estendeu-se pelas
inúmeras instituições públicas e privadas que não só permitiam e legitimavam o controle
e a disciplina fabril, como também abriram caminho para que se produzisse uma
esfera de conhecimento tecnológicos onde se opera a radical apropriação do
saber.” (p.68)
“[...] assim
o sistema de fábrica manchesteriano, a nosso ver, tornou-se vitorioso porque
nele desenvolveram-se as condições para que a tecnologia pudesse se transformar
num elemento prioritário da acumulação capitalista. [...]” (p.70)
“O cortejo
tecnológico que acompanhou mundialmente o setor manufatureiro, no séc. XIX
excluía do mercado capitalista não apenas as pequenas iniciativas individuais,
como também, tornou imprescindível a figura do capitalista _ e ai está em jogo
o papel do capital _ organizava o processo de trabalho imposta pelo próprio
funcionamento do aparato tecnológico.” (p.71).
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